quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Ocupação urbana desordenada começou no período colonial


 
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Há algo de extremamente poético na silhueta das cidades brasileiras, mas que está entre as causas estruturais dos desastres verificados ultimamente em muitas de nossas áreas urbanas. O exemplo mais recente é o da região serrana do Rio, atingida por enchentes e deslizamentos de morros. Esse elemento de beleza decorre justamente da forma como a maioria das cidades surgiram e se desenvolveram desde os tempos coloniais: acompanhando as linhas do relevo e com pouco ou nenhum planejamento.

Uma igreja que medita no outeiro, o casario que sobe e desce ladeiras, edifícios que se plantam sem medo à margem dos rios. Tudo isso impressiona o viajante e lhe dá o conforto de imaginar uma sociedade fixada à paisagem sem maiores conflitos, quase como se estivesse deleitosamente confundida à natureza.

Ocupação de Petrópolis não respeitou plano original da cidade

No clássico Raízes do Brasil, o historiador Sérgio Buarque de Holanda observa que esse traçado urbanístico sinuoso é reflexo do tipo de colonização empreendida pelos portugueses e da própria psicologia e visão de mundo dos colonizadores lusos. O historiador também mostra como foi diferente a construção de cidades nas colônias espanholas da América.

Segundo Sérgio Buarque, o interesse dos portugueses no Brasil era o de enriquecer rapidamente e com pouco esforço, não levando em conta o estabelecimento a longo prazo e dentro de bases econômicas sustentáveis. Por isso, instalaram-se preferencialmente no litoral, de onde era fácil enviar para a Europa os frutos da exploração.

"Não convinha que aqui se fizessem grandes obras, ao menos quando não se produzissem imediatos benefícios. Nada que acarretasse maiores despesas ou resultasse em prejuízo para a metrópole", afirma o historiador. Ele cita trecho de uma carta do padre Manuel de Nóbrega, de 1552: "de quantos lá vieram, nenhum tem amor a esta terra [...] todos querem fazer em seu proveito, ainda que seja a custa da terra, porque esperam de se ir".

Rios

O avanço para o interior deu-se dentro da mesma visão econômica e sob o cuidado de que ninguém se instalasse aqui de forma definitiva.

"Os regimentos forais concedidos pela Coroa portuguesa, quando sucedia tratarem-se de regiões fora de beira-mar, insistiam sempre em que se povoassem somente as partes que ficavam às margens das grandes correntes navegáveis, como o rio São Francisco", ressalta o historiador.

O desinteresse por planejar cidades não derivava apenas do fato de que a empresa colonial era vista como um meio de enriquecimento rápido e impulsionada por espírito aventureiro. Refletia a própria experiência urbanística de Portugal e um traço do caráter português de então, avesso à transfiguração da realidade por meio de métodos, sistemas ou códigos racionais. "Nenhum rigor, nenhum método, nenhuma previdência, sempre esse significativo abandono que exprime a palavra 'desleixo'", anota Sérgio Buarque.

De acordo com o historiador, os portugueses preferiam agir "por experiências sucessivas, nem sempre coordenadas umas às outras. Assim, é comum a coexistência das chamadas "vilas velhas", com os novos centros urbanos de origem colonial, o que o historiador considera o "persistente testemunho dessa atitude tateante e perdulária".

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O capítulo 4 do livro é rico em exemplos e análises. Na Bahia, o maior centro urbano da colônia, um viajante do princípio dos 1700 espantou-se ao ver que as casas "se achavam dispostas segundo o capricho dos moradores". E continua: "tudo ali era irregular, de modo que a praça principal, onde se erguia o Palácio dos Vice-Reis, parecia estar só por acaso no seu lugar. Ainda no primeiro século da colonização, em São Vicente e Santos, o desalinho das casas era de tal ordem que o primeiro governador-geral do Brasil, Tomé de Souza, reclamava por não poder murar as duas vilas, pois isso acarretaria grandes transtornos aos moradores".

Em suas cartas a amigos fictícios, escritas no começo do século 19, o professor de grego Luis dos Santos Vilhena criticava a escolha da situação na qual foi edificada a cidade de Salvador: uma colina escarpada cheia de "tantas quebras e ladeiras" quando ali perto havia "um sítio dos melhores".

No que se refere à colonização espanhola, o caso foi bem outro: "caracterizou-se largamente pelo que faltou à portuguesa, por uma aplicação insistente em assegurar o predomínio militar, econômico e político da metrópole sobre as terras conquistadas, mediante a criação de grandes núcleos de povoação estáveis e bem ordenados", segundo Sérgio Buarque.

O historiador observa que o traçado dos centros urbanos na América espanhola "denuncia o esforço determinado de vencer a retificar a fantasia caprichosa da paisagem agreste". Nas palavras de Sérgio Buarque,  "é um ato definido pela vontade humana. As ruas não se deixam modelar pela sinuosidade e pelas asperezas do solo; impõem-lhes antes o acento voluntário da linha reta".

Ao contrário dos portugueses, os espanhóis evitaram a costa, por considerar que, além do perigo dos corsários, não havia ali lugares "sadios" para a construção de moradias. Temia-se ainda o que eles consideravam a pouca disposição para o trabalho dos habitantes do litoral, associada a uma liberalidade dos costumes.

Quanto à escolha dos locais de erguimento das cidades, os espanhóis estabeleceram uma série de normas, levando em conta o tipo de região a ser ocupada. Para as chamadas povoações de "terra de dentro", não deveriam ser escolhidos lugares altos, expostos aos ventos e de acesso difícil, nem muito baixos, pois costumam favorecer as doenças, mas sim os que se achassem a altura mediana "descobertos para os ventos do norte e do sul".

Citando Raízes do Brasil, a arquiteta e doutora em urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Rosana Miranda lembra que as normas de construção espanholas eram muito bem definidas: "a construção das cidades deveria começar pela praça maior, com dimensões adequadas ao futuro crescimento urbano e, ao redor dessa praça, o casario seria construído de acordo com o alinhamento definido com extremo rigor e o traçado das ruas também seguiria o ângulo reto como principal diretriz.

Águas de Janeiro

A ironia poética da América lusa alcançou por fim a memória do cantor dessa simbiose de sociedade com natureza: entre as casas destruídas pela enchente do dia 12 de janeiro em São José do Vale do Rio Preto (RJ), estava a de Antonio Carlos Jobim. Ali no refúgio que construiu com tanto esforço, e que faz parte do imaginário da MPB, ele compôs a célebre Águas de Março e outras canções da fase pós-Bossa Nova.

Vêm provavelmente daquela paisagem alguns versos de Chovendo na Roseira: "Olha que chuva boa prazenteira / Que vem molhar minha roseira / Chuva boa criadeira / Que molha a terra / Que enche o rio /Que limpa o céu / Que traz o azul / Olha o jasmineiro está florido / E o riachinho de água esperta /Se lança em vasto rio de águas calmas".

FONTE:

Nelson Oliveira / Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Liminar suspende dispositivos de resolução do CNJ...

O ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, em parte, pedido de liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4638) ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) contra a Resolução 135, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que uniformiza normas relativas ao procedimento administrativo disciplinar aplicável aos magistrados. A decisão monocrática deverá ser referendada pelo Plenário no início do Ano Judiciário de 2012.

Na decisão, o relator da ADI 4368 assinalou que “o tratamento nacional reservado ao Poder Judiciário pela Constituição não autoriza o CNJ a suprimir a independência dos tribunais, transformando-os em meros órgãos autômatos, desprovidos de autocontrole”. Segundo o ministro Marco Aurélio, a ADI não trata da intervenção do CNJ em processo disciplinar específico, mas do poder para instituir normas relativas a todos os processos disciplinares, o que desrespeita a autonomia dos tribunais e viola a reserva de lei complementar. “Não incumbe ao CNJ criar deveres, direitos e sanções administrativas mediante resolução, ou substituir-se ao Congresso e alterar as regras previstas na Lei Orgânica da Magistratura”, afirmou.

O ministro rejeitou, porém, o pedido de suspensão do artigo 4º, que, segundo a AMB, teria suprimido a exigência de sigilo na imposição das sanções de advertência e censura, como previsto na Loman, e do artigo 20, que prevê o julgamento dos processos administrativos disciplinares em sessão pública, a não ser em caso de defesa do interesse público. “O respeito ao Poder Judiciário não pode ser obtido por meio de blindagem destinada a proteger do escrutínio público os juízes e o órgão sancionador”, destaca o relator. “Tal medida é incompatível com a liberdade de informação e com a ideia de democracia”. Para o ministro Marco Aurélio, o sigilo com o objetivo de proteger a honra dos magistrados “contribui para um ambiente de suspeição, e não para a credibilidade da magistratura”.

Em síntese, a decisão suspende a eficácia do parágrafo 1º do artigo 3º; do artigo 8º; do parágrafo 2º do artigo 9º; do artigo 10; do parágrafo único do artigo 12; da cabeça do artigo 14 e dos respectivos parágrafos 3º, 7º, 8º e 9º; do artigo 17, cabeça, incisos IV e V; do parágrafo 3º do artigo 20; do parágrafo 1º do artigo 15; e do parágrafo único do artigo 21, todos da resolução questionada.

No que se refere ao parágrafo 3º do artigo 9º, a decisão apenas suspende a eficácia da norma quanto à divisão de atribuições, “de modo a viabilizar aos tribunais a definição, por meio do regimento interno, dos responsáveis pelo cumprimento das obrigações ali versadas”. Quanto à cabeça do artigo 12, a liminar foi deferida para “conferir-lhe interpretação conforme”, assentando a competência subsidiária do CNJ em âmbito disciplinar. O pedido de medida liminar foi indeferido quanto ao artigo 2º, ao inciso V do artigo 3º e os artigos 4º, 9º e 20 da Resolução 135.


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Direitos humanos com agenda ampliada ...

Buenos Aires, Argentina, 6/12/2011 – Apesar de o imaginário social se vincular com a resistência às ditaduras das décadas de 1970 e 1980, as organizações de direitos humanos latino-americanas há muito tempo expandiram suas preocupações, para atender assuntos como os ambientais e a violência contra mulheres, aborígines e imigrantes. Os conflitos socioambientais pelo acesso à terra e aos recursos naturais, que são gerados em torno de indústrias extrativistas contaminantes ou de projetos de expansão agrícola à custa das florestas, agora estão entre as prioridades dos ativistas.

Também se destacam na agenda dos líderes humanitários as violações dos direitos dos povos originarios, a violência e os abusos contra mulheres, os direitos trabalhistas, dos imigrantes e das minorias sexuais. “Os temas principais da nova agenda derivam da tensão entre o desenvolvimento econômico que avança sobre o meio ambiente e os direitos humanos”, disse à IPS o diretor-executivo do Centro de Estudos Legais e Sociais (Cels), Gastón Chillier.

A direção deste organismo não governamental especializado inaugurou ontem o “Encontro de Defensoras e Defensores dos Direitos Humanos na América Latina”, com participação de mais de 70 representantes de organizações humanitárias de 14 países da região convocados pelo Cels. O objetivo do encontro é analisar os novos temas, identificar outros atores que violam os direitos humanos, citar os desafios que enfrentam muitos de seus líderes ameaçados (inclusive alguns foram assassinados por causa de suas denúncias) e avaliar diferentes mecanismos de proteção em nível local, nacional ou regional.

“Hoje, não só o Estado viola os direitos humanos, como também empresas, agências paraestatais e membros do crime organizado”, disse Chillier, lembrando diversos casos de ativistas assassinados ultimamente na Argentina e no restante da América Latina. Tradicionalmente, o Cels e outras organizações similares na América Latina surgiram no calor dos regimes autoritários dos anos 1970 e 1980, que deixaram o saldo de milhares de desaparecidos, mortos, torturados e perseguidos em cada país.

As entidades, algumas formadas por familiares de vítimas das ditaduras, outras por dirigentes políticos e advogados, denunciavam as violações e exigiam justiça. E na medida em que os países se democratizaram ampliaram os temas para violência policial e torturas nas prisões. Nos últimos anos, os assuntos ultrapassaram a temática político-institucional para avançar em conflitos econômicos e sociais crescentes, nos quais o Estado não é necessariamente o ator principal nas violações dos direitos humanos.

Na Argentina, cada vez há mais conflitos envolvendo povos originários e camponeses sem terra na defesa de parcelas de uso comunitário e contra o avanço da fronteira agropecuária, como se chamam os desmontes para plantar produtos de exportações como a soja. O mesmo ocorre em outros países da região frente a diversas indústrias.

Em conversa com a IPS a brasileira Andrea Caldas, da organização Justiça Global, contou como a entidade que integra foi incluindo os novos temas. No começo abordava assuntos de violência institucional, prisões e acesso à justiça. Com sede no Rio de Janeiro, a organização também documenta casos de violações de direitos econômicos, sociais e culturais causadas por multinacionais vinculadas à mineração ou à construção de grandes represas, que afetam as comunidades mais pobres e vulneráveis.

“O Brasil avança em um projeto de desenvolvimento baseado em megaobras de infraestrutura e na promoção de grandes corporações, como, por exemplo, a siderúrgica Vale, a maior do setor”, disse Andrea. Também assegurou que a Justiça Global comprovou violações dos direitos ao território, ao meio ambiente e à saúde de duas comunidades do Maranhão, rodeadas por siderúrgicas da Vale que, assegura, contaminam os cursos d’água.

Diante dessas denúncias, os defensores correm riscos crescentes. No painel de debate, o brasileiro Edmundo Rodrigues Costa, da Comissão Pastoral da Terra, denunciou que 1.855 defensores de direitos humanos foram ameaçados na última década por conflitos pela posse da terra, e 42 deles foram assassinados. “Não há segurança para os defensores. A impunidade prevalece, por isso as grandes empresas mineradoras e agrícolas exportadoras agem como querem nos territórios, diretamente matando pessoas por meio da contratação de pistoleiros e guardas particulares”, denunciou Costa.

Ele também recordou o caso da freira norte-americana Dorothy Stang, morta em 2005 no Pará, após denunciar o avanço do desmatamento por fazendeiros sobre comunidades de camponeses sem terra. Costa citou, ainda, o caso mais recente do casal de defensores assassinado em maio deste ano por suas denúncias contra a extração ilegal de madeira no norte do país. José Claudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo foram mortos a tiros.

Consultado pela IPS, o peruano Francisco Soberón, da Associação Pró-Direitos Humanos, também se referiu aos conflitos socioambientais pela mineração a céu aberto, que afetam o solo e os cursos de água. “Há múltiplos conflitos por petróleo, mineração, gás, madeira. O extrativismo e os conflitos sociais que geram é um tema fundamental da nova agenda dos direitos humanos”, destacou. Soberón disse que no parlamento peruano há um projeto de legisladores direitistas para dar às forças armadas o controle da ordem interna, uma iniciativa que, esperam, não prospere.

Presentes ao encontro também estavam ativistas que defendem os direitos humanos das mulheres. Carmen Herrera, da Advogados e Advogadas pela Justiça e pelos Direitos Humanos no México, contou à IPS seus novos desafios. “O novo desafio é tornar visível a dupla discriminação que sofrem as indígenas. Estamos denunciando que os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (fixados pelos governos em 2000 na Organização das Nações Unidas) jamais são cumpridos entre os indígenas e isto parece normal”, afirmou.

Por sua vez, Andrea Medina, da Rede Mesa de Mulheres de Ciudad Juárez, afirmou à IPS que as dez organizações que formam a rede não só denunciam a brutal violência contra as mulheres nessa cidade do norte mexicano, como as defensoras também as sofrem. “Há um ano, assassinaram Marisel Escobedo, mãe de uma desaparecida, e há alguns dias Norma Andrade, mãe de outra jovem assassinada, sofreu um atentado a tiros e está em condições críticas no hospital”, denunciou.

Esses casos revelam que não só persiste a impunidade sobre estes crimes como existe “uma cultura de discriminação que mantém a violência contra as mulheres”, disse Norma. “Hoje as pessoas mais ameaçadas no México são aquelas que denunciam as violações dos direitos humanos cometidas contra mulheres”, assegurou.

Fonte http://envolverde.com.br/noticias/direitos-humanos-com-agenda-ampliada/?utm_source=CRM&utm_medium=cpc&utm_campaign=06

Envolverde/IPS