terça-feira, 25 de outubro de 2011

REFUGIADOS AMBIENTAIS E NÃO RETROCESSO EM DIREITO AMBIENTAL.


Professor francês traz novidades sobre direitos humanos e meio ambiente ao apresentar projeto de convenção internacional de refugiados ambientais
Conferencista do congresso ocorrido na PRR-3, Michel Prieur mostrou que há 4 vezes mais deslocados por problemas ambientais que refugiados de guerra. Também discutiu o princípio do não retrocesso no direito ambiental

Nesta quarta-feira, 1º de setembro, aconteceu o Congresso Internacional "O novo no direito ambiental por Michel Prieur", realizado pela Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3) e pela Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). O evento, ocorrido no auditório da PRR-3, teve duas palestras do professor emérito na Universidade de Limoges (França), Michel Prieur, uma palestra do jurista Paulo Affonso Leme Machado, além de mesa de debates. O professor Prieur falou sobre o projeto de convenção internacional apresentado à ONU pelo Centro de Estudos na França por ele integrado, o CRIDEAU, para a proteção dos direitos de refugiados ambientais e defendeu o princípio do não retrocesso no direito ambiental pela criação mecanismos que impeçam que novas leis diminuam a proteção existente ao meio ambiente, que sempre deve ser alvo de uma proteção progressiva.

Na mesa de abertura estiveram presentes a procuradora-chefe da PRR-3 Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, a procuradora da República Ana Cristina Bandeira Lins, o procurador regional da República e diretor da ESMPU Nicolau Dino de Castro e Costa Neto, o procurador de justiça Tiago Sintra Zarif, representando o Procurador-Geral de Justiça no Estado de São Paulo e a procuradora regional da República Sandra Akemi Shimada Kishi, organizadora do evento. Ao declarar aberto o congresso, a procuradora-chefe da PRR-3 Luiza Frischeisen destacou que o evento trataria de uma questão nova e cada vez mais importante no mundo atual: Diante da dúvida do que fazer diante de pessoas que perderam tudo em função de catástrofes ambientais, pontuou a relevância do projeto de um estatuto de refugiados ambientais. Luiza Frischeisen também salientou que o congresso abordaria o princípio do não retrocesso no direito ambiental, um alento para a questão dos danos ambientais.

O diretor da ESMPU, Nicolao Dino Neto, expressou a preocupação para que a defesa do meio ambiente não seja tratada como um modismo, como algo passageiro. Segundo o procurador, esse é um risco que se corre atualmente no mundo, o que dificultaria a continuidade da proteção ambiental.

1ª MESA
Logo após a abertura, formou-se a primeira mesa do congresso, presidida pela procuradora da República no Estado de São Paulo Inês Virgínia Prado Soares. Compunham a mesa o jurista Paulo Affonso Leme Machado, que falou sobre "Pontos críticos da política ambiental", e o professor Michel Prieur, que apresentou o projeto de convenção internacional por um estatuto de refugiados ambientais.

Paulo Affonso começou sua palestra falando sobre a questão do acesso a informações de interesse público. O jurista lembrou que há muitas maneiras de se negá-lo. Embora seja clara a evolução ao acesso a informações ambientais desde a lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), muitos dados ainda são sonegados. Citou como exemplo a falta de informações sobre licenciamento ambiental nos locais de obras, o que dificulta o acesso a informações a quem tiver interesse em saber o que está autorizado e como ocorreu o licenciamento.

O jurista defendeu uma maior participação da população nas decisões de interesse comum. Ele afirmou que esse é um dos maiores desafios da sociedade moderna. Lembrou que no Brasil, na área ambiental, há previsão de participação da sociedade civil nos chamados Comitês de Bacias Hidrográficas, mas criticou o fato de não se prever a participação popular na outorga do direito de uso das águas.

Paulo Affonso criticou o decreto federal sobre compensação ambiental e alertou para a necessidade de responsabilidade ambiental em atividades potencialmente lesivas. O jurista lembrou que as autorizações para realização de determinadas atividades não devem ser confundidas com autorização para degradar o ambiente. Ele afirmou que o agente causador de danos ambientais tem o dever de reparar o dano. Por fim, lembrou da obrigação do poder público de controlar o risco ambiental, insistindo na aplicação do princípio da precaução.

Em seguida, o professor Michel Prieur apresentou o projeto de uma Convenção Internacional de Deslocados Ambientais, destacando que a expressão “deslocados”ao invés de “refugiados”, parece ser a mais adequada na área ambiental. Ele afirmou que hoje nos deparamos diante de problemas para os quais os juristas devem dar respostas uma vez que há uma aceleração dos riscos de catástrofes ambientais.

Prieur elencou três classes de catástrofes: as naturais, as decorrentes de degradação progressiva do meio ambiente e as tecnológicas. Além disso, existe o deslocamento de pessoas que são expulsas de seus lugares por conta de grandes empreendimentos, como barragens, ou mesmo em decorrência da tentativa de proteção ambiental da área em que habitam.

Os dados apresentados pelo professor francês mostram a dimensão do problema. Em 2008, havia cerca de 36 milhões de pessoas deslocadas por conta de catástrofes ambientais – 25% no continente africano. Esse número é quase quatro vezes maior do que o número de refugiados de guerras. E esses dados ainda podem subir mais, devido a mudanças climáticas e a elevação no nível dos oceanos, que deslocaria boa parte das populações que vivem nas regiões costeiras.

As dificuldades para se chegar a uma convenção sobre o problema são grandes. Entre elas, estão o fato de haver dois tipos de deslocados (os que saem para outros países e os que são deslocados no interior do próprio país) e o fato de inexistir uma definição precisa de catástrofe. O que se pergunta hoje é se o direito tem uma resposta a tudo isso.

Prieur explica que as convenções e tratados que existem hoje não abordam a questão e não são aplicáveis a ela (como o caso da Convenção de Genebra para refugiados de guerra). Atualmente, apenas a convenção sobre pessoas portadoras de deficiência é que se preocupa com a questão da catástrofe, mas somente no que diz respeito à preocupação de que os direitos dessas pessoas também sejam respeitados nessas ocorrências. O professor fez, ainda, uma distinção entre o termo refugiado, usado mais no âmbito político e nas questões bélicas, e deslocado, que é distinto e mais apropriado ao problema das catástrofes ambientais.

O professor mostrou uma série de organismos, conceitos e direitos que precisam ainda ser definidos para resolver essa nova questão enfrentada pelo direito e afirmou que os objetivos, nesse tratado, são mais do âmbito dos direitos humanos do que do direito ambiental.

2ª MESA – DEBATE

Na segunda mesa do congresso internacional "O novo no direito ambiental", aconteceu o debate entre Michel Prieur, professor da Universidade de Limoges, na França, Álvaro Luiz Valery Mirra, Juiz de Direito no Estado de São Paulo, Consuelo Moromizato Yoshida, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e a advogada Flávia Frangetto. 

Álvaro Mirra iniciou o debate fazendo considerações sobre a palestra anterior. O juiz afirmou que o Projeto de Convenção é um tema de grande relevância e de interesse imediato para os brasileiros, uma vez que desastres ambientais têm se tornado cada vez mais frequentes no País e ressaltou os problemas enfrentados recentemente pela população devido às fortes chuvas e inundações. Mirra também disse ser fundamental o fato do projeto tratar de refugiados ambientais de qualquer natureza e não apenas de "desabrigados climáticos". "A questão de explorar do nível individual para o coletivo me parece importante", disse Álvaro quanto ao fato do projeto considerar refugiados não apenas individualmente, mas em sua coletividade, como em casos em que estão envolvidas famílias e populações de uma cidade.

A desembargadora Consuelo Yoshida abordou pontos como o surgimento e a evolução do novo direito ambiental a partir de catástrofes ambientais e ressaltou que ajudas puramente humanitárias dificilmente ocorrem, uma vez que interesses econômicos sempre estão envolvidos nessas questões.

Já Flávia Frangetto acrescentou na discussão a possibilidade de um status jurídico diferenciado para  indivíduos que fazem "mais do que a lei exige" e atuam espontaneamente na proteção do meio ambiente.

Sobre o Projeto de Convenção Internacional de Refugiados Ambientais, Michel Prieur afirmou que "existem catástrofes ambientais e vítimas - é preciso acolhê-las e tentar solucionar o problema pelo viés dos direitos humanos" e concluiu ressaltando que um julgamento em um tribunal relacionado a mudanças climáticas e suas consequências ainda está longe de acontecer, sendo a melhor forma de resolver o problema por meio do princípio de solidariedade.

3ª MESA – NÃO RETROCESSO

Após intervalo, foi iniciada a palestra "Princípio do não retrocesso em direito ambiental" pelo professor Michel Prieur. Esse princípio também é conhecido por outros nomes, como não regressão e status quo. A mesa foi presidida pela promotora de justiça Regina Helena Fortes Furtado e teve a participação dos procuradores regionais da República da 3ª Região Sandra Akemi Shimada Kishi e Walter Claudius Rothenburg, além da advogada e professora Solange Teles da Silva.

Michel Prieur iniciou a palestra indicando os motivos pelos quais pode haver a regressão do direito ambiental. "Uma regra pode ser modificada e causar o retrocesso", afirmou ele, que acrescentou que a regressão pode ser causada por razões políticas, jurídicas, econômicas e psicológicas. "Não existe direito eterno. Uma lei promulgada pode ser substituída por outra totalmente contrária".

O professor explicou que o direito ambiental, que tem cerca de 40 anos de existência, tem o objetivo não só de proteger o meio ambiente, mas também o homem, e em especial o trabalhador. Esse direito é muito complexo, e portanto,  frequentemente pode surgir a expressão política de uma vontade de simplificá-lo. Michel Prieur acredita que essa simplificação diminui o nível de proteção. Lançou à plateia o questionamento sobre as formas pelas quais podemos nos opor à essa simplificação.

"O direito ambiental é um direito humano e vai se armar para se proteger dos retrocessos, mas deveria se tornar intangível, irreversível", ressaltou o professor.

Em seguida, Michel Prieur listou os três princípios da não regressão. O primeiro deles é a segurança jurídica, ou seja, um esforço no sentido de que as leis fiquem estáveis e não sejam alteradas. O segundo é garantir que se entregue um meio ambiente melhor às futuras gerações e o terceiro é assegurar um nível menor de poluição e um nível maior de biodiversidade, o que estaria de acordo com a ética e a moral do meio ambiente. "Tudo isso vai ser reforçado ainda pelas leis dos direitos humanos, pois o meio ambiente é um direito humano".

Ele citou cláusulas de convenções internacionais e europeias sobre o meio ambiente, como a Rio-92, que são baseadas nesse princípio. "O não retrocesso não é uma invenção", destacou Michel Prieur, que também lembrou a existência de cláusulas que garantem que em caso de conflito entre dois tratados, o mais benéfico ao meio ambiente deve sempre ser utilizado, seja este conflito entre duas convenções externas ou entre a legislação própria de um país e um tratado internacionais.

Ao falar sobre países que possuem em suas constituições artigos imutáveis, Michel Prieur destacou o Brasil, já que segundo o artigo 60, parágrafo 4 da Constituição Federal, os direitos e garantias individuais não podem ser abolidos. Ele declarou, portanto, que o meio ambiente pode se beneficiar desta cláusula.

Michel Prieur ainda ponderou sobre os limites para regressão e lembrou que existem limites toleráveis e intoleráveis para que se façam alterações na legislação que poderiam levar a uma regressão da proteção ambiental. Para ele, cada Estado deverá pesar e medir esses limites. "Vamos cada vez mais nos apoiar nos indicadores ambientais, acompanhados também por indicadores dos direitos humanos. Será uma combinação a favor dos juízes".

Para finalizar sua participação, o professor respondeu a críticas e questionamentos que escuta com frequência sobre a eficácia do direito ambiental, uma vez que os níveis de degradação ambiental são muito altos "A degradação ambiental vem da não aplicação das leis ambientais", disse ele, acrescentando que "o direito ambiental surgiu há cerca de 40 anos, e sem ele, a degradação hoje estaria ainda pior". Michel Prieur lançou dois apelos. Um para que os legisladores, constituintes e juízes consagrem o princípio do não retrocesso e outro para que as ONGs e a sociedade civil pressionem os governos nesse sentido.

Após o fim da palestra, Solange Teles da Silva fez suas considerações, destacando a noção que existe hoje da irreversibilidade dos danos ambientais e lançando a todos o dever de não se omitir e agir. Ela também citou as alterações feitas ao Código Florestal Brasileiro como um desses exemplos de retrocesso que devem ser impedidos.

Em seguida, o procurador regional da República Walter Claudius Rothenburg elogiou Michel Prieur pelo trânsito entre as diversas áreas do direito demonstradas durante a palestra e ressaltou que em alguns lugares ainda se discute se o meio ambiente é um direito fundamental. Para Walter Rothenburg, a proteção dos direitos "é inesgotável" e por mais que haja esforços bem sucedidos, sempre haverá mais espaço para melhorias.

Finalizando o congresso, a procuradora regional da República Sandra Akemi Kishi afirmou que este "é um momento de emoção e inestimável honra", pois os participantes tiveram a oportunidade de aprender "com os maiores nomes do direito ambiental em nível planetário". Ela ainda reforçou que o direito ambiental não pode ser tido como um vilão, embora haja essa probabilidade que o princípio do não retrocesso deve afastar. Segunda esta procuradora “parece que no nosso artigo 60 da Constituição Federal repousa a cláusula pétrea de salvaguarda da proteção progressiva, sem retrocessos, do meio ambiente sadio para a presente e as futuras gerações”.

Sandra Kishi também leu a Carta de São Paulo, que contém um pedido para que os candidatos à presidência da República se comprometam a incluir o Brasil na Convenção de Aarhus, que trata do acesso à informação, participação pública em processos de tomada de decisão e acesso à justiça em questões ambientais. A carta será revisada, encaminhada aos candidatos à presidência da República e publicada futuramente na Revista Internacional de Direito e Cidadania (REID), do Instituto de Estudos de Direito e Cidadania (IEDC).

FONTE:
Assessoria de Comunicação Social

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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Ecocídio, um crime mundial...

Genocídio, crime contra a humanidade, agressão entre países e crime de guerra. Em breve, a lista de atrocidades passíveis de julgamento na mais alta corte da Organização das Nações Unidas, o Tribunal Penal Internacional, pode aumentar. E o delito em questão promete inaugurar um novo verbete em dicionários das mais diversas línguas: ecocídio, ou dano extensivo, destruição e perda de ecossistemas em qualquer parte do globo (leia a definição completa no quadro acima).

A ideia, que deve ser votada pela ONU em 2012, é fruto da mente inquieta da advogada ambientalista escocesa Polly Higgins. Filha de um meteorologista, ela abraçou a causa ambiental há cerca de uma década, depois de construir uma bem-sucedida carreira na vara trabalhista. Desde então, ganhou destaque como autora da Declaração Universal de Direitos do Planeta - baseada na Declaração Universal dos Direitos Humanos e já aceita pela ONU - e criadora da Wise Women Network (Rede de Mulheres Sábias), organização que tem como missão estimular a discussão sobre o aquecimento global entre as britânicas. Radical sem ser xiita, conquista cada vez mais respeito - e alguns detratores, claro - ao advogar em nome de um só cliente: o planeta Terra.

Depois de obter o apoio de figuras de peso na Grã-Bretanha, Higgins foi capaz de convencer a Suprema Corte de seu país a rea lizar o julgamento de um ecocídio fictício. Encenado na sexta-feira 30 e transmitido ao vivo pela internet e via tevê por assinatura, ele foi protagonizado por procuradores e advogados de verdade, que acusaram e defenderam um alto executivo - interpretado por um ator - de uma gigante do petróleo. Sentado no banco dos réus, o CEO foi responsabilizado pelos danos causados por um derramamento sem precedentes no Golfo do México (alguém se lembra da tragédia da BP em 2010?) e por um desastre decorrente da extração de óleo de areias betuminosas no Canadá. O debate de improviso, segundo os organizadores, levantou questões importantes, como a divisão da culpa entre governos e empresas e as formas de medição do alcance dos danos. Depois de horas de argumentação, o júri considerou o CEO parcialmente culpado pelos desastres.

"Em sua essência, um ecocídio é a antítese da vida", resumiu Higgins em conversa com ISTOÉ no Twitter enquanto o julgamento acontecia em Londres. Segundo a advogada, sua principal intenção ao propor a nova lei à ONU não tem nada a ver com o revanchismo típico dos defensores mais fundamentalistas da natureza. "Não quero ver um monte de executivos na cadeia. Acredito que uma lei para os ecocídios poderia fazer com que essas pessoas tenham mais responsabilidade sobre seu trabalho", diz a escocesa.

Para Diogo Antônio Correa dos Santos, advogado especialista em direito internacional, a cruzada de Higgins na ONU não deve ser fácil. "Já existem diversas convenções que inclusive preveem sanções a quem não cumpri-las. Os Estados é que precisam se comprometer com a fiscalização", afirma. Santos lembra que criar uma lei internacional ainda exige que ela esteja de acordo com o texto legal de cada país. "Se a legislação for contrária à Constituição local, não terá efeito", diz. No caso das leis regidas pelo Tribunal Penal Internacional, elas precisam ser aprovadas por pelo menos 86 dos 116 países signatários - Brasil inclusive -, uma briga difícil.

A principal justificativa de Higgins em sua proposta para incluir o ecocídio na lista dos chamados crimes contra a paz é a de que a escassez de recursos inevitavelmente leva ao conflito. "A guerra vem a reboque nos lugares onde a natureza é destruída pela ação do homem", conclui a ambientalista. Resta saber se o seu argumento será capaz de convencer o mundo.
 
FONTE: ISTOÉ, apud: http://www.frenteambientalista.com/noticias/item/592-ecocídio-um-crime-mundial